Um dia desses, conversando com o meu pastor, lhe perguntei: - Qual o sentido da vida, como a gente sabe que está vivendo bem? Meu pastor começou a cofiar a sua vistosa barba, seus olhos brilharam e, com a singeleza que sempre o caracteriza, respondeu-me: - O sentido da vida é ter prazer e, vive-se bem, quando se vive com prazer.
Eu estava pronto para qualquer resposta menos para esta, sabe como é, a gente tem tanta idéia sobre tudo, e acha que tudo tem de ter, para ser digno de crédito, algum grau de sofisticação. E, prazer parece tão vulgar! Embora, a bem da verdade, todos gostem e queiram. Mas, é que prazer sempre parece fazer parte do furtivo, do subversivo. Bem... eu não iria dizer isso para ele...de verdade, nem precisava.
Respirei fundo e disse: Que tipo de prazer? Eu estava tentando fazê-lo se situar e me situar. Afinal, tem todo o tipo de prazer por aí. Mais uma vez ele me olhou para além dos olhos e respondeu: - O único, só tem um, quando há prazer, de verdade, só pode ser este.
Pronto, se a coisa já estava complicada, agora, havia se tornado enigmática. E eu estava certo de que há vários tipos de prazer, não há quem não concorde! Quer dizer, há... o meu pastor!
Mas, eu estava disposto a complicar –lhe a situação, não iria deixar a coisa assim tão fácil, porque, afinal de contas, isso não é resposta, ele fala o único, como se fosse o óbvio ululante. Perguntei-lhe, então, de chofre: - Onde está esse prazer?
Ele mirou-me, como poucas vezes, como a ler o que eu nem sabia que havia escrito, isto é, se fui eu que o escrevi. Dessa vez, arranjou o cabelo: - Vou-lhe dizer, primeiro, onde não está.
Sabe aquele casal que está saindo do motel, ainda ofegantes, declarando maravilhas um para o outro, onde um e outro nunca tiveram pacto, a não ser aquele que é quebra da aliança que, de fato, um dia eles celebraram e, cujos companheiros nem desconfiam que, naquele momento, está sendo relegada ao vulgar?
- Sabe aquele homem que está saindo do beco, com as mãos sujas de sangue, olhando para todos os lados, para ver se não foi visto, enquanto, apesar do rosto marcado pelo medo e pela raiva, pensa estar, finalmente, saboreando a sua vingança?
- Sabe aquele rapaz que está olhando para aquela moça, como quem olha para um objeto com que se possa fazer de tudo e que, só em fazer de tudo, encontra o seu sentido?
- Sabe aquele senhor em posição de autoridade, que acaba de finalizar uma operação financeira, espúria, que é a subversão de tudo o que ele representa e está lá para fazer?
- Sabe aquela pessoa que acaba de gastar uma fortuna numa pedra, que lhe conferirá muito “status”, apesar de ter custado algo que mitigaria a miséria de muitos?
- Sabe aquele jovem agachado no canto, com o olhar vago, que, embalado por um som desconexo, vê figuras espantosas, disformes, que, por acreditar que a vida não é, consome algo que o leva para o que não existe, e nunca mais o deixa voltar de lá?
- Sabe aquele sujeito torturando alguém, de alguma forma, pelo simples desfrutar do sofrimento alheio?
- Sabe aquele camarada querendo mudar o mundo por acreditar que isso é tudo o que há? E o outro que acha que o mundo é ele? Não é aí que o prazer está.
Mas, agora, olhe aquele casal apaixonado, descobrindo-se um no outro, preparando-se para envolverem, por toda a vida a vida toda. E aquele empresário que acabou de sair de uma reunião onde ele e outros decidiram usar os seus dons para mitigar a miséria alheia. Observe aquele cientista que, com afinco, se debruça sobre a sua prancheta, a reler as suas anotações, ele está ciente de que vai contribuir para o progresso da humanidade, que muita gente vai ser beneficiada. Veja aqueles jovens correndo à beira daquele lago, brincando de modo cada vez mais criativo e alegre, se deixando, entretanto, ser interrompido pela beleza do lugar. E há, também, o homem no seu trabalho, qualquer trabalho, grato por poder fazer o que está fazendo, compreendendo que faz parte da malha que mantêm o mundo dos homens funcionando, e gente se alimentando. Sem contar aquela senhora que acaba de separar algo das guloseimas que fez para sua família, para ofertar a vizinha do lado, que ela achou um pouco triste. Impressiona aquele marido, da sala, observando sua esposa a cuidar de seus filhos; admirado como o tempo a fez mais bela, a fez mais mulher, a fez mais gente, e como ela está presente na maioria de suas boas memórias. Admire aquele filho (a) abraçado (o) ao seu pai, à sua mãe. E aqueles pais recebendo o seu filho, com braços e sorrisos abertos, apesar de tantos desatinos.
Olha lá! Há alguém socorrendo o que tem fome, pelo faminto; curando o enfermo, pelo enfermo; dando água ao que tem sede, pelo sedento; visitando o preso, pelo encarcerado.
E o estudante encantado com o conhecimento? Contemple aquela pessoa, ali, debaixo da árvore, admirando a beleza e a matemática do universo. E o ancião concluindo, há mais entre o céu e a terra. E aquele jovem que acaba de mudar de idéia acerca de si, e está pronto para se deixar transformar. É aí que o prazer está.
A essa altura eu estava sem fôlego, foram tantas as visões, umas que causaram tanta dor, outras, tanto enlevo, visões que se alternaram e que me deslocaram para tantos lugares, o que eu poderia dizer?
Bem... Achei que, talvez, só mais uma questão, para entender bem: - Por que nessas atividades, tão díspares entre si, está o prazer? - Por quê? Replicou meu pastor, demonstrando alguma surpresa. – Porque eles estão meditando na grande lei. – Pastor, o Senhor me desculpe, mas, tantas coisas tão estranhas entre si, não parecem corresponder a nenhuma lei... Para dizer a verdade, se eu fosse definir isso tudo acho que eu chamaria de alguma espécie de amor. Aí toda a surpresa dele veio à tona! - E o que você acha que é a grande lei? – Que lei, pastor? – A minha! Disse ele. – Prazer é meditar no amor, e meditar, não é só pensar. Meditar é viver. Viver bem é viver com amor, em amor, por amor. É aí que reside o prazer. O amor só edifica, só aproxima, cria, se compromete e dá sentido. Quem vive assim... vive, e, viver assim é ser próspero, é ser como a árvore sempre verde à beira do riacho acalentador, que lhe garante geração constante, ou seja, lhe garante estar sempre em consonância com a Vida.
Ah! Pastor, pensei que o Senhor ia me falar da Igreja... – Mas, essa é a vida da Igreja. Disse-me. – E o culto? – Mas, esse é o culto. Respondeu-me. – E a celebração, então? – Tem de ser a explosão desse prazer. Arrematou.
- Ah! Pastor, então existe vida em meio ao caos e prazer em meio à dor? – Existe, filho... feliz é o que ama, porque vive.
Ariovaldo Ramos
segunda-feira, 18 de agosto de 2008
Assinar:
Postagens (Atom)