sábado, 11 de abril de 2009

“Mediunidade” Protestante

Quando tive a honra de ser professor do Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), no Recife, conheci um aluno que nos dias de semana em que ele deveria pregar nas congregações, passava a tarde dormindo ou jogando futebol na quadra. O mesmo era conhecido por se pretender “espiritual” e “renovado”. Intrigados, procuramos saber se ele não estudava as Escrituras e preparava os sermões com antecedência. O mesmo considerou tal expediente muito “carnal”. Ao dormir a tarde toda ou jogar bola, ele acreditava deixar a mente limpa para o Espírito Santo “baixar” com seu recado, de forma pura e cristalina, logo mais à noite...

Devemos reconhecer a força cultural do espiritismo e dos cultos de origem afro-ameríndia, e como eles influenciaram a percepção de espiritualidade de algumas Igrejas protestantes. O Espírito Santo, e os anjos, funcionam como espécies de “orixás evangélicos”, “baixando” sobre pastores e missionários, qual “médium protestante”. Isso sem falar em “profetas”, principalmente, “profetizas”, com suas revelações particulares sobre saúde, família e negócio, tomando o lugar simbólico das benzedeiras do catolicismo popular, das cartomantes e dos pais e mães-de-santo. Há uma forte equivalência simbólica.

Nos cultos, ou se tem os “médiuns”, ou se tem os “artistas”, que lideram o show-da-fé, no centro do palco e das atenções, promovendo o entretenimento.

C.S. Lewis denunciava as gerações que desprezam as outras do passado, supervalorizando o presente (presentismo), o que não somente atenta contra a herança apostólica e o consenso dos fiéis, vivenciado através dos séculos, mas que se pretende ser melhor, restauradora da “pureza” e outras formas de arrogância espiritual, que rompe a unidade mística da “comunhão dos santos”, conforme confessamos nos Credos.

John Stott dizia que o que fazia uma liturgia viva ou morta, fosse ela mais ou menos estruturada (não há liturgia informal, pois o “informal” é, apenas, uma outra forma) é o fato de os fiéis serem convertidos ou não, e acreditarem ou não no que se pronuncia. A entonação, os sentimentos, a fé, fazem a diferença. Foi o mesmo Stott quem disse que “um anglicano carismático não é um pentecostal”.

Somos carismáticos, porque acreditamos que não há Igreja sem o Espírito Santo, e não há presença do Espírito Santos sem carismas. Se Hans Kung disse que uma das marcas do Anglicanismo era a sua aversão a extremismos, alguém também afirmou que “na Igreja Anglicana o Espírito Santo sopra como um gentil cavalheiro”.

Somos uma Igreja que preza dois mil anos de herança litúrgica da Igreja, católica e reformada. Herança que é o conjunto do que foi, nas diversas etapas e lugares, fruto da ação do Espírito Santo nas comunidades de fé. Daí o Livro de Oração Comum – Bíblia pura, ortodoxia pura – ser uma das marcas distintivas do Anglicanismo. Os seus diversos ritos não engessam os crentes, antes o edificam, e podem ser intercalados com orações espontâneas, cantos, declamações, teatro, testemunho, em uma convergência com um presente que não rompe com o passado. Uma das maiores contribuições que a Diocese do Recife está fazendo para a maturidade da Igreja no Brasil é a edição (ora no prelo) do Livro de Oração Comum Brasileiro (LOCb).

Há quem goste de culto batista tradicional, e nós os respeitamos. Quem gosta desse tipo de culto é livre para adorar em uma Igreja batista. Há quem gosta de culto pentecostal “clássico”, e nós os respeitamos. Quem gosta desse tipo de culto é livre para ir, por exemplo, e adorar na Assembléia de Deus. Há quem goste do culto neo(pós) pentecostal, com apóstolos, banhos de descarrego, tirada de encostos e três recolhimentos de ofertas, e nós os respeitamos. Quem gosta desse tipo de culto é livre para ir à Igreja universal, internacional ou mundial. Agora, pelo amor de Deus, deixem o Anglicanismo em paz, com sua liberdade litúrgica, com sua diversidade, sim, mas “com ordem e decência”, com a alegria do Espírito Santo e o LOC na mão. E isso não é “anúncio de missa de sétimo dia”, para se adotar como “um doloroso dever”, mas uma adesão livre, convicta e entusiástica.

Somos uma Igreja sem mediunidade, sem estrelismo e sem showbiz, graças a Deus!

Olinda (PE), 03 de abril de 2009.
Dom Robinson Cavalcanti, ose
Bispo Diocesano