terça-feira, 29 de julho de 2008

Pastores de fantasia e ovelhas de fantasia

É claro demais: não havendo ovelhas, não há necessidade alguma nem de igrejas nem de pastores.
Tão claro quanto: não havendo alunos, não há necessidade nem de escola nem de professores; não havendo doentes, não há necessidade nem de hospitais nem de médicos. Isso quer dizer que, havendo ovelhas, há necessidade de pastores.

Assim como há decepção mútua entre estudante e professor, há também decepção mútua entre ovelha e pastor. Os dois têm de saber que a decepção é de ambos os lados. Assim é mais fácil tratar do problema do relacionamento entre um e outro. É como se fosse um desconforto conjugal, que exige humildade e diálogo de ambos os cônjuges para recuperar a harmonia perdida
(veja Pastor & igreja: uma relação (conjugal) em crise, de Ricardo Agreste).

O problema é antigo e preocupante. Há ovelhas que se queixam amargamente de seus pastores e há pastores que se queixam amargamente de suas ovelhas. Enquanto Deus se queixa de ambos ou, conforme o caso, só de um deles.

No livro do profeta Zacarias há uma palavra muito dura contra os pastores:
“Ai do pastor imprestável, que abandona o rebanho”(Zc 11.17).

Em outras versões, o “pastor imprestável” tem sido pitorescamente chamado de “pastor de nada” (TEB), “pastor de coisa nenhuma” (EP) e “pastor de fantasia” (CNBB). Esse pastor é aquele que não se preocupa com as ovelhas. Não procura a que está desgarrada, nem cura as machucadas, nem alimenta as sadias, mas come a carne das ovelhas mais gordas (Zc 11.16). O quadro é patético. Serve para contrastar com o comportamento do Bom Pastor por excelência (veja De olho no grande pastor das ovelhas).

Se há “pastores de fantasia”, os tais pastores mercenários a que Jesus se refere (Jo 10.12), pastores sem alma, sem dedicação, sem testemunho, sem autoridade e sem mensagem, há também ovelhas obstinadas, que tapam os ouvidos para não ouvir, como o próprio Zacarias admite (Zc 7.11).

Há muitos pastores não de fantasia que já não sabem o que fazer por essas ovelhas imprestáveis, essas ovelhas de fantasia. Um deles, o profeta Jeremias, queixou-se de que pregou em vão durante vinte e três anos, dia após dia (Jr 23.3). Outro, o apóstolo Paulo, queixou-se de que suas ovelhas de Corinto nunca saíram da carnalidade para a espiritualidade, nem do leite para o alimento sólido, nem dos “ensinos elementares” para as “coisas difíceis de entender” (1 Co 3.1-3, Hb 5.11-14). (Veja Fome Zero — pastores e padres de mamadeiras na mão por este Brasil afora)


Revista Ultimato dezembro 2004

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